Escrever sem ler (por João Knup)

O Objetivo da matéria de Lengua y Literatura Castellana em Segundo de Bacharelato é que o alunado esteja preparado para apresentar-se no mês de junho às provas de EBAU, demostrando os conhecimentos e as destrezas adquiridas por meio de uma análise e comentário de um artigo de opinião de algum jornal.

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Isto, ao alunado parece-lhe complicado. Consideram que é um exercício árduo, complexo e difícil. Pouco menos que impossível. Entre as responsabilidades dum professor está a de prepara-los para realizarem esse exame e obterem uma boa nota. E, para isso, cumpre insistir-lhes sempre, todos os dias, constantemente, em que é necessário ler muito: cada dia é imprescindível lerem, como mínimo, uma coluna, o editorial dum diário, um pequeno artigo de opinião. E aqui abandonamos essa impessoal terceira pessoa para passar à primeira: desconfio de que, todas, todos, o façam. A minha experiência é que não são constantes nesta tarefa.
É assim que decido escrever este artigo. Pensei que poderia redigir um artigo que os interpelasse, que lhes concernisse, que pudera parecer-lhes interessante. Imaginei que se calhar resultava útil um texto que incidisse nessa ideia que dias antes escrevera no quadro (e que mesmo publicara no facebook para ver que comentavam os meus contatos): é possível ler sem escrever, mas é impossível escrever sem ler.
Pretendo é convencê-los de uma evidencia: para escrever é necessário ler. Isso é fácil de entender: no fato físico de escrever, vai implícita a leitura, qualquer sorte de leitura. Ao escrevermos, vamos lendo o que escrevemos, sempre. Mesmo nas práticas de escrita automática dos surrealistas resulta impossível não ir lendo ao tempo de escrever. Mas isto também dá para uma reflexão mais ampla: se realmente quisermos aprender a escrever, a redigir, a pôr por escrito as nossas opiniões e pensamentos, os nossos sentimentos e reflexões, as nossas ideias e certezas, ou incertezas, temos é de ler, de ler muito. É só lendo o que outras pessoas já escreveram como se aprende a escrever.
É assim, por exemplo, que resulta possível compreendermos as diferenças entre escrever essa ideia com uma fórmula impessoal (“É só lendo o que outras pessoas já escreveram como se aprende a escrever”), em primeira pessoa (“É só lendo o que outras pessoas já escreveram como aprenderei a escrever”), ou em segunda pessoa (“É só lendo o que outras pessoas já escreveram como aprenderás a escrever”); mesmo em primeira pessoa de plural (“É só lendo o que outras pessoas já escreveram como aprenderemos a escrever”). A primeira sentença quer ser objetiva, interpelando a todas as pessoas e a ninguém em particular, enquanto as outras querem ser um chamado, explícito, a quem lê: bem desde a conversão da experiência individual da voz narradora em experiência coletiva, bem desde uma advertência direita a quem percorra com os seus olhos estas linhas -chamando-se, por exemplo, Maria, Juan, Luísa, António, Ana, Jaime, Cristina, Alberto, Judith, Eloy, Laura, Borja,...-, bem criando com as hipotéticas pessoas leitoras um sujeito protagonista plural.
Teve, para rematar, a ocorrência de reproduzir no texto alguns nomes, coincidentes se calhar, ou não, com os nomes de alunas e alunos, para que se lhes gere a dúvida de se isto é realmente um artigo de opinião publicado nessa ligação que aparece na nota a rodapé, ou um esquisito texto do seu professor. Imagino que alguém mesmo chegará a procurar em internet se existe ou não esta página de Material Periférico na que João Knup, caso tal pessoa ter vida, publicou este artigo, escrito ao mesmo tempo em que o ia lendo, pensado ao mesmo tempo em que o ia escrevendo.

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